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Galera, D.. Barba ensopada de sangue

vb. criado em 14/05/2015, 14h22m.


G2012b. Galera, Daniel. Barba ensopada de sangue. São Paulo: Companhia das letras, 2012. ISBN 978-85-8086-502-8. Epub.



cocô

As noites frias torturam o verão com uma morte lenta.

ficam sentadas nos troncos com as perninhas pendendo como galhos apodrecidos

O verde das matas lateja nas encostas da serra do Mar e as montanhas pontudas com suas cristas emolduradas pelas janelas do ônibus aludem ao mistério dos lugares intocados.

Ondas que vieram de muito longe entregam sua forma aos rochedos num último gesto cansado.

A imponência dos morros os envolve e apequena e do outro lado o mar esfrega em suas caras a infinitude de sua saída inacessível.

notas

começa com um narrador, o sobrinho do atleta; aí muda para um narrador onisciente, que pode ser o Dante, mas cuja câmera acompanha só o atleta. Embora na cena do telefone entre donos de academias o atleta seja o assunto, mas está fora.

1ª: meu tio morreu, enterro, etc..

2º: atleta falas com publicitário no sítio

3º atleta chega em garopaba

4º atleta e dália se conhecem, vão na boate; deixa barba crescer

5ºatleta aluga casa, fala com pescadores, dono de boteco, barbeiro

6ºatleta vai ao cemitério-labirinto, a história da morte do gaudério é cada vez mais misteriosa.


roteiro

O cineasta, 1º narrador, sobrinho do salvador, neto do publicitário e bisneto do gaudério. 17 anos, tio desconhecido, fotos antigas, excluído, motivo insondável, morte heroica na água, ressaca, ferrugem, corpo não encontrado, enterro 'simbólico', nunca achado, profissão heroica (salvador 12/24), antes fora um mestre de campeões, mulher misteriosa de origem secreta muito branca tatuagens apagadas, casal de filhos de olhos azuis, recluso ermitão com superpoderes, ignora "noites precipitadas", cachorro manco imortal que nada feito golfinho.

1

O salvador visita o publicitário (Hélio, um alemão).

'Os cachorros abdicam pra sempre de parte do instinto pra viver com as pessoas e nunca mais podem recuperá-lo por completo. Um cachorro fiel é um animal aleijado. É um pacto que não pode ser desfeito por nós"

transifiguração, não era mais o mesmo, o pai com uma cara nunca vista; a cadela admirável Beta (cadê o alfa?) e o cão imprestável; o corredor das glórias, a passo trôpego; a cadela segue, parece um totem; 'alguém um pouco aflito tentando tomar uma decisão ou solucionar um pequeno problema como se disso dependesse o castelo de cartas do significado da vida. Vê o pai no limite tênue desse esforço, navegando perigosamente próximo da desistência.' O pai do pai morreu, matado, em Garopaba, mas isso era segredo até agora. O narrador não conheceu esse avô matado.

O gaudério era forte, meio índio (como o narrador, o sangue índio pulou uma geração, o temperamento também), lavrava a terra, mas tinha alma de músico-filósofo, 'ele deixava no chinelo esses triatletas que tem hoje", salvou a ovelha perdida, 'Eu tinha lá meus dezessete anos', 'tu e ele são outra espécie', pavio curto brigador, era um violeiro e tanto. 'levou um tiro na mão', perdeu dois dedos da mao esquerda, 'passou a tocar melhor... desenvolveu um dedilhado maluco'

'Já viu um porco se virando no barro? É a própria imagem da felicidade.' Viúvo, 'permaneceu misteriosamente casto. Tinha alguma coisa aí que nunca entendi e nunca vou entender'. Porrada, rompidos, não se falam, só por telefone, 4 vezes, argentina cu do mundo, uruguaiana, paraná, garopaba; 'lembro da sensação de que alguma coisa nele tinha mudado. Um toque juvenil na voz, uns assuntos beirando o incompreensível... abóboras e tubarões'. 'Oito horas de viagem pela br 101, contra o vento.' 'foi num sitiozinho desses que encontrei teu vô'; 'o Gaudério era um prodígio da apnéia'. 'compara o rosto da fotografia com o rosto que vê no espelho e sente um calafrio'. 'No auge da festança falta luz. Quando a luz volta, um minuto depois, tem um gaúcho deitado no meio do salão com uma poça de sangue em volta, dezenas e dezenas de facadas. Todo mundo matou ele, ou seja, ninguém matou ele. A cidade matou ele... Tava todo mundo lá, famílias completas, provavelmente até o padre. Apagaram a luz, ninguém viu nada. As pessoas não tinham medo do teu vô. Tinham ódio.' Mas 'não tinha corpo“

A cadela inquieta pergunta. 'agarra e segura o focinho dela como se a amordaçasse“

“O sul”, conto de Borges.

vou me matar amanhã, ', não tenho nem a nostalgia de fuder.' 'o médico viu os exames e me olhou com uma cara de morte, de decepção por toda a raça humana. Tive impressão de que ele ia se demitir da minha causa como se fosse um advogado.'

'Por que não chama o outro? Ele ... Vai escrever um livro a respeito.

'Trabalhei com persuasão minha vida toda, a persuasão é o maior câncer do comportamento humano. Ninguém nunca devia ser convencido de nada. As pessoas sabem o que querem e sabem do que precisam...
Persuadir uma pessoa a não seguir o coração é obsceno, a persuasão é uma coisa obscena, a gente sabe do que precisa e ninguém pode nos aconselhar. O que eu vou fazer tá decidido há muito tempo, antes de eu próprio ter a ideia..'

'Velho desgraçado.
Esse é o meu nome“

'Eu não perdoaria ele se fosse tu.'

2

Ben Harper? Fiesta. Mudança. aniversário mais de uma semana depois da quarta feira de cinzas, Beta; 1ª coisa, banho de mar; 'maremotos
mitológicos quebrando na sua cabeça'; coral, vigia, lendário; casa achei escura demais. 'Leva consigo o
mapa da cidade para marcar a posição de lugares e pessoas relevantes, uma medida preventiva contra o esquecimento patológico com o qual aprendeu a lidar desde criança. ' 'incapacidade de memorizar qualquer rosto humano por mais que alguns minuto” (talvez o pai não estivesse transfigurado, então). Pantera. No bar. O velho diz 'Noventa por cento da maldade do mundo é o rico que paga pro pobre fazer, diz. Os rapazes concordam com a cabeça.' O velho diz: 'Minha família já foi dona da rua da Praia em Porto Alegre, o velho está dizendo para os dois jovens de boné quando ele começa a ir embora. Tenho a escritura pra provar. Os rapazes concordam com a cabeça.'

'Conhece a piada da mesa de sinuca? Não. Deixa ele em paz, diz o pai, sem tirar o olho do dinheiro que está contando. O que é verde por cima, tem quatro patas e se cai na tua cabeça te mata? Uma mesa de sinuca? Como é que tu sabia?, o guri berra, e volta correndo para trás do balcão, gargalhando.'

' a sensação de vazio que cobiça está dormente dentro dele e que ele a arrasta consigo para onde vai. É como uma festa surpresa anunciada com antecedência ou uma piada explicada antes de ser contada” ri absurdamente, tarde demais.

'Uma expressão de reconhecimento já pode conter tudo o que se precisa saber.'

'Tem uma festinha hoje no Pico”, Rosa, Dália ('Uma mulher bonita será bonita todas as vezes. Para os que lembram nem sempre é assim”). As casas dormem e os morros cercam a cidade com vultos imponentes. 'Tudo mundo é feliz aqui. Esse lugar é lindo demais. Eu sou muito feliz aqui” A boate pulsa com subgraves e emite surtos de luz estroboscópica. le enfia os dedos com força nos cabelos dela, por trás da nuca, abrindo caminho à força entre os fios retesados, tateando a aspereza das raízes e sentindo a resistência do couro cabeludo. Volta ao hotel chorando. Não deu para abraçar a mioça, entção abraça a cachorra Beta.

'As sombras das nuvens deslizam sobre o mar espumante e ele imagina os peixes tomando essas sombras pelas próprias nuvens”

'Dali se vê toda a baía de Garopaba, os galpões de pesca, os velhos botes baleeiros ancorados na enseada. ' 'uma pedra grande e lisa que as ondas mais fortes cobrem de espuma' 'Decidiu que ia morar ali quando viu as persianas se abrindo.' 'O mar respira em sua orelha.'
outro barco, poeta
Marcelo, Jeremias

'Sabia que nunca mataram ninguém aqui em Garopaba? Nunca? Já morreu muita gente, claro, mas assim de assassinato nunca” Ninguém diz nada de um jeito que diz muita coisa.

'Entre os documentos e cartões de banco há uma foto recente sua em tamanho passaporte, uma dessas fotos neutras e burocráticas que têm como único objetivo o reconhecimento da pessoa. Costuma levar uma foto dessas consigo para lembrar do próprio rosto, já que as fotos das carteiras de motorista e de identidade são respectivamente pequena e defasada demais para essa finalidade. '

'recorta com dificuldade o retrato do avô até reduzi-lo ao tamanho aproximado de uma carteira de identidade e guarda o recorte no envelope plástico da carteira, no mesmo lugar onde até então guardava a própria foto.'

Agora, a mãe fala com o mais velho 'tá quase fazendo trinta e três anos,' O escritor se chama Dante. Sônia e os príncipes. um tio Natal, um amigo Golias. 'Família nunca foi nossa especialidade. Só tu mesmo, querido'. 'Pra que fazer isso com sessenta e quatro anos?' 'Acho que tu sofre mais do que ele, querido”.

cemitério, morro da silveira, 'Os túmulos são tão próximos uns dos outros que as poucas passagens disponíveis terminam em becos sem saída. A disposição labiríntica'. Não consegue atravessar o cemitério, muitos túmulos, todos juntos, sem ruas, nem pelos cantos há espaço. 'quebra-cabeça mal fabricado.' Cai sobre um túmulo, espatifa as flores de alguém. 'Não há nada para ver ali.'

Nadando. 'seu corpo se anula no próprio reflexo, estraçalhando a superfície de filme fotográfico da água”. 'Bauru Tchê e pede um xis-coração. ' 'Registrar quem vem e quem passa é como falar do clima, '

Março é o melhor mês. 'É o mês de quem mora aqui, diz Dália. O melhor fica pra quem passou o verão inteiro ralando.'

'sem o colar de prata mas tem nas orelhas um par de brincos espiralados'. John e Pablo, o filho. 'Às vezes eu sinto que essa cachorra tá me espionando.' 'O que seria da gente sem falsas esperanças?'

uma escadinha meio abandonada que dá acesso à 'servidão do Baú.' 'Anóxia perinatal. ... No parto. Nasci sufocado e causou uma lesão cerebral.'

'O retraimento dá lugar a uma certa submissão. A diferença é sutil.”


'Cataloga com espanto renovado as inúmeras maneiras como o mundo é capaz de se descortinar aos seus sentidos. Nada a não ser os rostos se perde.'



É um ambiente atípico para uma academia de ginástica e lembra mais um templo religioso em que o exercício físico é praticado como um ritual de iluminação.

swell , O Panela. O dono. Há uma onda em estilo de pintura japonesa, um bracelete tribal, um golfinho.
O Tábua é o que vem à noite.

barbeiro zé compra o fiesta Parece estar rindo em segredo e ele se dá conta de que teve a mesma impressão ao conversar com outros nativos.
Não há nenhuma pressa. 'Não vim surfar nem fugir de nada.' tá entrando na época da pesca da tainha. Os pescadores vão te tirar da água. Tu não é gaúcho de verdade. mulher com o pescoço imobilizado ; Às vezes ele tem a sensação urgente de que deveria gravar para sempre o rosto de certas pessoas que nada significam para ele. A atmosfera do boteco de repente está escura. Virou noite.
O que as pessoas não sabem depois que passa o tempo é porque não querem saber mesmo.
Tu lembra muito o Gaudério.
Alguém vai perceber por aí. Já devem ter percebido.
Tem gente que lembra. Se quiser. Pra lembrar tem que querer.

telefonema
Fez o mundial no Havaí, classificou bem, mas não fez tempo bom lá. Teve algum piripaque no meio da prova. Sabe o tipo de cara que não tem muito espírito competitivo? Faz tempo melhor no treino que na prova.
pedagogia lúdica esportiva,
não esquece: água quente e música bombando.


agora já sabe prever o clima com base em fatores inconscientes, conversa com o mar e a cidade. faca de churrasco do pai está enferrujando. cachorra lembra da mãe, a mãe dele liga, física quântica. 'minha família não faz sentido'. Buscar Pablo, que é orelhudo. O lendário volta, vão para o quarto e a escuna parte. Mas não está tudo bem,
A mãe de D. amputou o pé é é meio bruxa. Bonobo parece uma pera. Tricolor!. O tio dos óculos. Toma sorvete de óculos. Sogra sonha com ele, éle é vampiro. Ajuda Bonobo e Altair a demolir. Enchem a cara. Bonobo na janela, Beta feliz.

Escuta com clareza o que pretende dizer dentro da cabeça mas a boca deforma as palavras na hora de enunciá-las

Tem a sensação de que esse instante se prolongará indefinidamente, que nada mais acontecerá, como se o mundo tivesse atingido alguma espécie de estado final na cena insignificante que estão protagonizando.

eva morreu, o galo canta 3 vezes. baby look do inter
o
amigo que publica a obra-prima contra a vontade do autor morto o fato de haver uma traição na história é o que menos importa. O que importa é o que resulta da atitude. IMPORTANTE?

o ponto de vista do N.: É uma traição. A coisa tá ali. Pra sempre. A quantidade de sofrimento nem sempre decide o que é melhor ou pior. Às vezes a coisa certa a fazer causa sofrimento. Sofrer é ruim, mas faz parte.

o afogado e a garoupa gigante, destino

'Não é reencarnação, é renascimento. Tem mais a ver com a propagação de estados mentais ao longo do tempo. O efeito disso que tu entende como a tua mente, que no fundo é uma ilusão, também continua agindo no mundo depois da tua morte física e volta a se manifestar. São ciclos. A mente segue em frente, se mistura, se recombina e ressurge.'

...

um homicídio feio, lábios e olhos removidos, faz uma semana e ninguém disse nada (296). 'meses vividos menos como habitantes e mais como funcionários de um enorme pavilhão ocupado por um megaevento.'

300: sonho da sogra; o irmão é guardião; vampiro, conversas telepáticas.

maio, começo, ferrugem, acha que pode ter sido um sonho, furadeira, água gelada de doer, morro do índio, desemboco da encantada fechado. Algo importante mudou na atmosfera, tempestade aterradora vem aí, muralha estranha, 'Uma tempestade aterradora pode ser vista em alto-mar. As nuvens escuras se erguem como montanhas avançando em direção à praia, uma muralha agourenta que se estende por quase todo o horizonte visível, mas algo nela não parece certo. A tempestade se move e não se move ao mesmo tempo. Ela muda de forma mas a transição de um estado a outro não pode ser captada. Quanto mais observa mais duvida que sejam nuvens de tempestade. Não há raios nem trovões. A cordilheira escura é espelhada pelo horizonte e deformada aqui e ali por compressões e esticamentos. As formas parecem estar ao mesmo tempo próximas e borradas pela distância. Têm algo de holográfico.'

alunos, gêmeas e ele acha que têm problema similar ao dele, mas inverso; uma, que como ele não consegue não nadar, nadar é uma relação especial com o mundo, o tipo de coisa que os entendidos não sentem necessidade de conversar a respeito

proibido de nadar no mar desde 1º/5

os cachorros nativos hostilizam beta

todos com quem falou do avô o ignoram, alguns hostilizam

às vezes esquece porque foi parar ali

a moça na praia que encara sem olhar como um cavalo

circo maller, rompe com dália, o público ama os palhaços,o camelo só serve para feder

viviane faz contato, ele deleta o face, ela já viu os demônios dele, o dante nunca vai escrever sobre a gente, eu pedi mas ele não quer, até pouco tempo eu sonhava com anzóis entalados na gargante e agora eu sinto eles quando estou acordada

avô morou ali morreu em 67

'se ninguém lembra não aconteceu'

o alemão que pesca o ladrão e depois tenta salvá-lo do espancamento na delegacia

como é absurdo que se possa ter ciúme por causa de uma cadela e de um homem morto, e ainda por cima com alguma razão

dália teve uma visão com ele, tu é um filho da puta mas é um anjo tb; com o meu pai era o contrário

'espedindo propriamente dele, porque ainda vão se ver por aí, e sim de um outro mundo idêntico a esse exceto pelo detalhe de que eles teriam ficado juntos, teriam se apaixonado e teria durado, um mundo que foi imaginado em detalhes e acalentado por algum tempo e do qual ela só está se desapegando nesse instante.'

tem um vislumbre de como e onde irá morrer. A visão não surge em detalhes. É menos uma cena e mais uma combinação de circunstâncias indistintas que se encaixam num padrão nítido, vai morrer afogado aqui. Escreve num papel, data e assina, pede ao Bonobo para assinar e guardar Se tu acreditar de verdade no que tá escrito aqui tu vai acabar colocando a coisa em movimento. Rasga isso. Se acontecer assim vai ser impossível saber se aconteceu porque eu disse ou se eu disse porque ia acontecer.
Um gato amarelo trepa na fresta da janela e parece surpreso ao se deparar com dois homens na sala do apartamento. O felino encara os humanos e os humanos o encaram de volta até que o gato decide que está no lugar errado e desaparece na noite com um salto.

o irmão se parece mais com a mãe; prima favorita melissa;

segunda 4ª feira de junho inaugura a 11ª quermesse, sam calças de alfaiataria e camisas de lã ou mesmo terno e chapéu. Andam de queixo erguido. Conquistaram o direito a seu ar de autoridade. Para os mais antigos a quermesse é ocasião para pompa e eles parecem vistoriar os hábitos das novas gerações. o grupo da terceira idade. Os velhinhos em trajes caipiras cantam e dançam segurando as pontas das fitas coloridas atadas a um poste central e a coreografia obedece aos comandos em verso que um cantador profere ao microfone. Eles trocam de pares, invertem a direção da roda e entrelaçam as fitas de maneira complexa.

o índio mascarenhas, parceiro do homero, 'depois de tudo o que eu vivi o diabo ainda consegue me dar susto'. Brigou com o avô duas vezes, na primeira não impressionou, na segunda era outro homem, parecia possuído. 'Tem meia dúzia de
pessoas que a gente encontra nessa vida que deixam uma impressão forte que nunca passa. Gente que bota um medo estranho, parece que tem um mal na pessoa, mas é uma maldade que só é maldade aos olhos do homem, não aos olhos da natureza“ 'um velho sozinho que não dava pra dizer a idade, de pele escura e bem encarquilhada, uns cabelos brancos caindo no ombro assim... vivia sem nada. Com uma chaleira e uma adaga. Dormia junto com os porcos. Só que esse homem tinha uns mirréis guardados em algum lugar ali em volta. Não entendi se era dinheiro graúdo, mas era o bastante pro velho ter enterrado. Tinha um filho dele de olho no dinheiro,“

é a noite do mundo

'tem muita lenda por aí. Aqui tem até fantasma de baleia.' Homero é quem diz. Diziam que o Gaudério tinha matado uma guria. 'O mar é o caldo primordial, diz Índio Mascarenhas em tom elevado. A fonte da vida. Do mar viemos e ao mar voltaremos.'

mergulo em alto mar. 'mergulha e escuta a sinfonia tremelicante dos mariscos, um som que já tinha escutado noutras ocasiões ao nadar perto das pedras em algumas praias, mas nunca com essa intensidade. A estalaria dos moluscos é assustadora, algo como bilhões de pinças ou dentes se batendo e reverberando no oco das cavernas“ Dois mundos distintos. O tempo muda de repente.

competição de triatlo de curta
distância; ficam em 4º entre 7 equipes. A água estava cheia de águas-vivas. Nadadores queimados pela água! A aluna fatal; o delegado é zenão bonato; matambre; foda-se; só hoje, hem?

beta pata dianteira quebrada perdeu um pedaço de uma orelha; agora está tudo ótimo; vai para pato; Um homem de aspecto chocante se aproxima da banca ao mesmo tempo. Toda sua cabeça é hipertrofiada por alguma malformação ou elefantíase, em especial a mandíbula, ... tentando reter as feições do homem na memória pelo maior tempo possível, mas elas se vão como as outras.'

delegado ocupado, encontro só à meia noite Deliryu’s. máfia das brabas, 'Meu pai me dizia que a gente tem que ficar longe de três coisas nesta vida: mulheres rápidas, cavalos lentos e engenheiros. '

Incendiários? Garopaba tem uma longa tradição de incendiários.

Tinha um matador de gaúcho. Um tal de cabo Freitas. Esse teve serviço por vários anos, até apagarem ele também. Era um arquivo vivo. 'iz aquela viagem de merda no meu Corcel novinho, tinha relâmpagos na estrada, uma coruja enorme bateu no meu para-brisa e trincou o vidro“ A maioria dos crimes nem chegava até a gente. Tinha muita justiça da comunidade. omecei a me dar conta de que a pessoa que mandou o telegrama devia ter feito por iniciativa própria. uma mulher veio falar comigo e disse que tinha mandado o telegrama. namorada , A cena que ela descreveu não fazia sentido. O salão tava vazio mas tinha uma sangueira no chão sinais de luta, mesas e cadeiras viradas, copos quebrados. Disse que tinha mulheres chorando na rua, sendo abanadas por crianças. Soraia, Sabrina, Tinha um ar sinistro no lugar. Os nativos tavam nervosos. Outra coisa que a moça do telegrama disse é que na hora em que ela chegou no salão o povo já tinha saído e tava na praia, a uns cem metros dali, olhando o mar. Reparei na mesma coisa nos dias seguintes. Não era como se esperassem um barco ou procurassem um cardume, mas como se o mar tivesse se voltado contra eles. Como se de uma hora pra outra não quisessem mais que ele estivesse ali.

Algumas pessoas somem dessa vida sem dizer como nem pra onde. Deixam um monte de pistas, só que todas falsas. Tu acha que ele podia estar vivo? Os olhos do ex-delegado faíscam. Podia. Talvez ainda esteja. Já imaginou? Mas é inútil dizer palavras ao vento.

mel andreia, gostei das botas, tatuagens, ideograma, rosas, uma moto na curva da estrada e placa com caveira, deus está morto, nietzsche do orkut, tem que valer mais que o vinho

fim de junho, os pinguins aparecem mortos nesse litoral de vez em quando. Não acontece todo ano. volei de piscina, festa surpresa dos alunos, jaspion cuteleiro, Deus está morto, é? Eu não ia conseguir comer uma mina com essa tatuagem em cima da bunda. Deixa quieto.

23 de junho de 2008, diário, mural

pega cachorra de volta e pensa pela primeira vez na ideia de voltar a Porto Alegre ou pelo menos sair dali e se mudar para outro lugar. Começa a dormir demais. Quando entra lua cheia o tempo não muda até a lua mudar de fase. Vento leste traz tempo ruim. Quem lhe ensinou essas coisas? O inverno o entusiasma por razões que não compreende. Fica à vontade na estação que os outros esperam passar. Sente a presença constante de uma coisa indefinida que está demorando para acontecer. se ser infeliz é isso, pensa, a vida é de uma clemência prodigiosa. teve a ideia de por a beta na água para se exercitar. 'São observados por um bando de abutres que em dado momento decolam agitando suas asas magníficas. São aves pavorosas no chão e lindas voando“

jasmin existem mil definições de mito, mas quase todas sugerem que um mito carrega uma verdade de algum tipo, por mais obscura que seja, sobre os desafios e os significados da vida. São histórias ligadas ao herói, o cara que enfrenta provações pra atingir um objetivo e tal. Os padrões dessas histórias vão ficando ao longo do tempo. A força delas é atemporal. A idolatria tem a ver com ídolo, que é a imagem ou a representação de uma divindade. Idolatria é valorizar o ídolo tanto quanto ou até mais que a divindade em si. Ou seja, o que tá implícito na idolatria não é uma verdade, como no mito, e sim uma mentira ou uma falsificação. E então esse cara diz que na nossa geração é muito fácil idolatrar, mas muito difícil valorizar e reconhecer mitos. A gente estaria vivendo um momento histórico de transição do mito pro ídolo.

São Joaquim

A frente da tua casa é um cemitério de baleias,

imagina a água mansa carminada de sangue e o céu enegrecido por um turbilhão de abutres e gaivotas. Os animais vêm aqui procurando água quente no inverno. A gente pode achar essa água fria, mas pra elas que vivem em águas polares é morninha. As mães vêm parir os filhotes e essas praias são como maternidades onde elas podem amamentar e proteger os filhos.

valiação da Qualidade de Vida da População Jovem do Município de Garopaba

A Cabeça do Grande Ídolo. A esfinge no alto do paredão. Ali, ó. A cabeça de pedra. caveira sem queixo com vários metros de altura no topo do paredão. Aquilo não é natural? Não! É um monumento pré-histórico. Os arqueólogos já foram ali e comprovaram que foi esculpido.

cidade cheia de ossadas e restos de baleia por todo lado, construída em cima da matança de baleia

Mãe e filhote expiram quase em uníssono. O jato da cria é débil em comparação e parece afinado uma oitava acima. É um som distintamente mamífero, para não dizer um pouco humano. Como o ruído mil vezes amplificado de uma pessoa bufando. Ele sente uma conexão imediata

Sem instinto de defesa, sem história, sem rancor nenhum.. São animais da terra que voltaram pro mar.

Imagina uma baleia ali no rasinho, quase na praia. O que será que ela sente? Pode ser que veja a fronteira de um outro mundo remoto e mortífero, tão ameaçador quanto o mar é pra gente. Mas pode ser que seja como voltar pra casa. Como voltar pro útero da mãe. Uma coisa tentadora. Vai ver que é por isso que elas encalham sem motivo aparente. Porque o mar não tem limites. O terror do oceano tá nisso. É o útero ao contrário. Acho que as baleias vivem nesse terror.

Ela me faz pensar em mim também.

Tá amando, nadador?
Talvez.
Pobre homem. Estarei aqui quando precisar.

o melhor é jamais fazer esforço nenhum para conquistar ninguém. Tudo que precisa ser conquistado dá problema depois.

O mar está tão gelado que a sensação não é nem de água fria mas sim de calor abrasivo, como se o limite do frio não pudesse ser distinguido do limite do calor.

há casos famosos de pessoas que se mataram por tédio ou cansaço, naturezas predispostas a ver a morte como uma questão pragmática. Vive-se enquanto vale a pena, enquanto é útil. Ela se interessa por suicídios. As pessoas pensam que todo mundo que se mata está deprimido, desistiu ou não aguenta mais, porém há diversos tipos de suicídio como o suicídio por honra, o suicídio kamikaze, o suicídio para benefício alheio, o suicídio por velhice, o suicídio por doença crônica uma gigantesca argumentação filosófica, teológica, sociológica e científica para dar sentido a um tiro na cabeça.

o povo de Garopaba é muito supersticioso e ela própria tem tido problemas com isso por causa de uma lenda local sobre tesouros enterrados. SONHOU TRÊS VEZES, TÁ LÁ DESETERRAS E MORRES. Uns quinze anos atrás acharam enterrado na Encantada uma espécie de vaso em forma de cabeça de carneiro, feito de um metal que parecia bronze, e ninguém sabia explicar o que era. ela sonhou 2; o velho joaquim (velho caolho); já vi ele rondando minha casa duas vezes junto com um guri com cara de psicopata que deve ser neto dele ou algo assim. É bem sinistro. As lendas podem ser inofensivas mas quem acredita nelas às vezes não é.

As crendices podem encobrir a realidadepra sempre. Tu só vai conseguir reconstituir o que aconteceu de verdade até um certo ponto. O resto vira lenda. é o lugar perfeito pra ser feliz, pelo que me dizem. Jasmim fica perplexa com esse comentário e ele precisa explicar que é só uma brincadeira em cima das garantias de bem-aventurança que ouve de tanta gente desde que chegou. As pessoas repetem muito esse tipo de coisa Como se quisessem te convencer e convencer a si mesmas. Ela ficou visivelmente perturbada e ele teme ter dito alguma coisa muito errada que não sabe o que é. tinha uma teoria pronta de que havia um lado negro na vida desse lugar. Elaborei toda uma teoria sobre o contraste entre a ideologia de viver no paraíso litorâneo e a realidade opressiva da vida cotidiana do lugar. o coração dessas comunidades mais afastadas do Campo D’Una, Encantada, rolam umas coisas meio primitivas. O que existe de especial aqui é a sazonalidade dos distúrbios. Os pacientes desaparecem na temporada de verão e voltam transtornados em massa no inverno. euforia, dinheiro. O povo fica ocupado demais pra sofrer. O inverno é tédio, falta de perspectiva. Frio. Aí o bicho pega. 'a gente tá vivendo a Era do Tá Foda. É uma sociedade inteira despreparada pro sofrimento ou consciente demais do sofrimento“ A felicidade aqui é muito verdadeira, tão verdadeira quanto o sofrimento. A beleza é tão verdadeira quanto a degradação.

Um gato preto os observa com olhos de cobre reluzentes no muro da escadinha.

põe o capacete, pega o celular e dá um toque no número dele. Me liga, ela diz. Mas é melhor tu não te apaixonar por mim. Eu não sei gostar das pessoas de verdade.

amanhece doente; jasmim leva choque; empresta a faca de estimação;

falar sobre as coisas avacalha tudo pra mim. Falar estraga. É só dar nome que morre. na Tristeza, bairro onde ela cresceu e onde a família vive até hoje. é só por birra que tu não pergunta pras pessoas se conhece elas mesmo. E porque isso te dá um ar de mistério. Tu é apegado a essa distância. Tu tem toda uma coisa autossuficiente, superior. Um ar de leão sentado no trono. E ao mesmo tempo tu é tão doce. Tu não faz sentido. dormindo no sofá Ela não acorda mas se reacomoda várias vezes seguidas como se não encontrasse nunca uma posição confortável. Franze o cenho e enjaula o rosto com a mão como se tentasse se concentrar na resolução de um problema muito sério. ela tem o sono mais agitado que já se viu. ica impregnado com seu cheiro terroso e cítrico na mesma hora em que ela tira a roupa; Quando dorme em seu apartamento ela parece um pouco mais apaziguada. Talvez seja o barulho das ondas. Ela está sempre fria por fora, como se seu calor interno se mantivesse represado. Mesmo quando analisadas muito de perto, suas íris estriadas de café e esmeralda transmitem expectativa e indecisão. Faz faxina do apartamento dele, mas a cabana está imunda.

descreve para Jasmim as estranhas nuvens negras que viu ou sonhou que viu naquele mesmo horizonte meses atrás. Não foi sonho. Eu também vi. Sério? Tu também tava aqui? Sim. Aquilo era uma fata morgana. Uma miragem. Tem a ver com massas de ar quente e frio trocando de lugar na superfície vasta de desertos e oceanos. Ele aproxima o rosto da tela e não cansa de ver as fotos uma após a outra, meio boquiaberto. Era bem isso mesmo

Os espíritos da minha casa tão sossegados, não quero mexer com eles. Do que tu tá falando? Essa casa é meio assombrada. Fui a primeira pessoa que alugou ela em dez anos. Não tinha luz, água, nada. Consertei tudo. Nos primeiros meses vivia escutando uma risada de mulher e um dia eu tava deitada na rede ali perto daquela árvore e senti uma mão alisando meu rosto e ouvi uma mulher dizendo Não tenha medo viu como seu Joaquim tomou um susto quando te viu? Tu conhecia ele?.

Tu herdou o pior do teu pai, que não era a garrafa nem os charutos nem a falta de respeito que tinha comigo, mas sim essa noção absurda de que vocês poderiam viver no meio do mato como se vivia mil anos atrás e que só por acaso nasceram no século vinte e um

'Foi bom a gente ter essa conversa porque agora não precisamos mais ter essa conversa.'

um bom inquilino, o melhor que ela já teve fora de temporada nesses anos todos, muito sossegado, diferente do avô dele que viveu aqui muitos anos atrás. Ele nunca conversou sobre seu avô com dona Cecina

Tiraram o peixe da água com a cabeça do atobá dentro da boca. Morreram os dois ao mesmo tempo porque a cabeça do atobá ficou presa e ele se afogou.

São dois objetos. Um castiçal prateado de uns trinta centímetros de altura, do tamanho de uma flauta doce, e uma espécie de taça ou cálice de ferro com o interior de bronze ou outro metal alaranjado. Eu sonhei de novo sábado. Depois que tu e tua mãe saíram daqui Dois padres enterrando alguma coisa na frente da porta da minha casa e uma mulher de branco olhando. É a primeira vez que ela adormece ao lado dele sem o preâmbulo demorado de coices e balbucios e ele sabe que ela está com o corpo e a mente exauridos mas se autoriza a acreditar que se trata de outra coisa.

o interior da cabana está intacto ... a caixa contendo o castiçal e a taça sumiram do armário da pia. No sétimo dia Jasmim manda um torpedo

Sentia como se os anos, depois dos vinte, tivessem perdido a personalidade única que possuem na juventude e se tornado nada além de referências vagas de que a vida passa.

no alto da serra da Rocinha A estradinha de terra era extremamente íngreme e extremamente perigosa, seu terror era de outra natureza e que a maldição servia apenas de bode expiatório. Viu tudo de cima e de longe e estava livre. ela já era outra pessoa

O velho Quirino resfolega na cadeira de rodas. O Quem. se dependesse de muita gente tu já teria sido mandado embora daqui. Me pediram várias vezes pra te botar na rua. Mas tu me deu o cheque pro ano todo. Ficou um problema pra mim.

Não consigo tocar minha vida enquanto não souber, dona Cecina. O velho Quirino começa a gargarejar saliva ou algo parecido.

Santina, um número de celular e o endereço de uma casa na Costa do Macacu.

uma mulher pequena de uns sessenta anos vestindo casaco marrom de lã grossa está sovando massa de pão numa outra mesa menor abaixo de um grande retrato enquadrado do Cristo.

Ao sair da casa percebe que no meio-tempo a brisa se transformou numa ventania que cobre a lagoa de marolas e balança a vegetação
'O amor é o coração do desespero.'

O que te disseram? Que ele é um fantasma? Que ele é um demônio? Que ele nunca morre? Disseram que ele trouxe uma maldição pra Garopaba? Que ele mata as meninas pra se vingar? Não tinha lugar pro Gaudério aqui mas ele insistiu em ficar. Que bicho teimoso. Tava embuchada. Ele nunca soube. depois eu perdi o nenê. Foram vários homens ao mesmo tempo e sei o nome de cada um. Tentaram esconder de mim mas com o tempo descobri tudo. Essa gente que tentou matar ele já morreu toda. Diz que botaram mais de cem furos nele. Acenderam a luz e o corpo tava ali. ele levantou. Depois de ficar um tempão deitado ali. Começou a se mexer e levantou. Ele ainda tava com a faca dele na cintura e tirou. Abriram distância dele e ele ficou olhando no olho de cada um dizendo que ia matar. Começou uma gritaria mas ninguém teve coragem de chegar perto pra terminar o serviço. Não era possível que ele ainda tivesse vivo. Em volta era como se tivessem carneado um boi. Foram acuando ele na direção da praia. Ele fazia assim com a faca e dizia que ia voltar pra pegar cada um. Que ia matar as mulheres e os filhos de cada um. Tem gente que diz que ele gritou coisas em línguas que não existem. Tem gente que diz que tinha fogo nos olhos. A gente se encontrou três vezes. Onde ele vivia? Nos morros. Uma casa no morro? Não, nos morros por aí. Mas ele tava louco. Não sobrou muita coisa. Era bem triste. A última vez que a gente se encontrou faz cinco ou seis anos e resolvi que ia ser a última. Não tenho mais saúde. Não quero mais ver certas coisas. Hoje ele taria com uns noventa.

Tem um morador da Cova Triste que não sabe ler nem escrever mas faz uns versos rimados. Ele dita e as pessoas tomam nota. Tem um assim.
todo velho já foi moço
e o menino vai ser homem
rezando peço a Deus
que lhe dê um bom nome
meu filho não tenhas orgulho
que o orgulho a terra come
pois nós viemos do pó
e o mesmo pó nos consome

3ª parte, 10, templo budista

Chove e não chove. Uma névoa espessa está sempre aguardando um pouco acima mas nunca chega. O buda inconcluso. Seu trono é sustentado por leões esculpidos em relevo no pedestal. A figura está sentada de pernas cruzadas em posição de lótus com uma das mãos sobre o colo e a outra erguida, ambas segurando objetos que ele não consegue identificar.

Por trás de sua economia de palavras parece haver uma reverência deliberada ao silêncio. Não parece feliz e muito menos infeliz. a necessidade de escapar das armadilhas do ego e observar a mente; a impermanência de todas as coisas, a ilusão da individualidade, a visão de uma pessoa como nada além de uma configuração fugaz dos componentes instáveis do corpo e da mente, a necessidade de combater a impressão errônea de que somos inteiros, permanentes, duráveis, autônomos e desconectados do fluxo de todas as coisas para conseguir interagir com o mundo de maneira mais espontânea, compassiva e desapegada, para conseguir sofrer menos e fazer sofrer menos.

correr e nadar até que a sensação constante de ser uma pessoa se dissolva naturalmente pelo esforço físico extremo e pela conversão de todo o seu pensamento em passadas, braçadas, pulmão, coração.

As verdades não podem ser entendidas pela ótica racional e dualista do Ocidente.

Capitão Ahab!

A questão do renascimento nem é muito importante no budismo original. Rolavam altas macumbas no Tibete quando o budismo caiu lá de paraquedas e uma parte da doideira ficou. Mas não é como a reencarnação kardecista. Se tu entende que uma pessoa é só uma aglomeração dinâmica de estados mentais, a ideia de uma alma que pode reencarnar deixa de fazer sentido. O que renasce, arredondando de um jeito grosseiro pra tu entender, são esses estados mentais, que seguem em frente e se recombinam até certo ponto. Assim como teu corpo alimenta plantas e vermes se tu for enterrado no chão. Assim como os átomos do teu corpo são poeira de estrelas.

E que porra é essa de mente? Acho que é só um jeito espertinho de acreditar em alma.

Ele e o Bonobo também erguem suas garrafas. Os três gargalos se chocam juntos e a garrafa dele se espatifa fazendo voar cerveja e vidro para todo lado. Os três se entreolham com os braços ainda esticados e os ombros encolhidos, imóveis, assimilando aos poucos o que acaba de acontecer. A garrafa se desfez no ar instantaneamente mas a sensação de segurá-la só vai desaparecendo aos poucos.

dois mil e doze (nesta cena há um narrador onisciente; ou o nadador, em comunhão com o mar, comunga com as mentes de várias pessoas desconhecidas

Tem a sensação de que o oceano quer alguma coisa dele mas não consegue imaginar o que seria essa coisa. É como se fosse uma informação que esqueceu ou nem sabe que sabe. O oceano o interroga e parece sempre prestes a perder a paciência mas ele sai a tempo de evitar um ataque de fúria.

parece ser um rochedo mas em seguida revela ser a massa negra e verruguenta de uma baleia-franca boiando a vinte ou trinta metros de distância.

Para os lados da cidade ele avista uma coluna de fumaça cinzenta e depois outra. É fumaça demais para ser apenas lixo queimando em terrenos baldios. Um surfista sem nome é salvo por uma gaivota.

Demite-se. Te cuida, Face Oculta. Aposto que as gêmeas inventaram essa também. Óbvio.

Nenhum desconhecido conversará com ele. Nenhum conversa ultimamente.

um blecaute apaga a cidade. um soco. Eles não riram, não provocaram, não xingaram, não o ameaçaram de nada. Passaram e sumiram como aparições mas deram seu recado.

É Jeremias, dono do Poeta, o motor do Poeta fundiu de vez em junho e precisará ser trocado; pesca artesanal, um modo de vida que está acabando; como a pesca da baleia também acabou; O pescador fica ali do amanhecer ao entardecer durante três dias, sentado na mesma posição, fazendo remendos de costas para o mar, e no quarto dia a rede desaparece. chega uma foto pelo correio, de jasmim.

As corridas longas e frequentes na areia fazem aparecer uma dor em seus joelhos pela primeira vez em anos. pediu demissão, se fecha em casa; Sente fome a toda hora, sente-se observado. Sonha sempre que é o avô perambulando pelos matos e morros. Recusa convites, desliga o celular. Dia do debate eleitoral na rádio, que parece uma grande quermesse e todos estão lá; Há um certo clima de ameaça no ar. Azul contra vermelho. Um duelo, um confronto. O azul vence. Carreata; dezenas de carros e motos formando uma longa serpente que envolve a cidade.

Outro homem se gaba de ter vendido o voto aos dois candidatos no mesmo dia e confessa que ainda não decidiu em quem vai votar. Quando ficam sabendo que ele é de Porto Alegre perguntam como anda a eleição por lá. Ele se levanta, soluça, diz que não faz a menor ideia e paga a conta no balcão. Depois se volta de novo para a mesa ocupada e olha rapidamente para o rosto de cada um dos homens sentados. Eu conheço algum de vocês? Aos poucos eles vão dizendo que não. Foi um prazer então. Adeus, senhores.

dilúvio, partida, leva a faca, a encosta despenca, espinhos, estrada difícil, perigosa, "traiçoeiro", um passo de cada vez, afunda no barro até os tornozelos, rumo ao sum, enfrenta o vigia e ameaça matar; assusta o vigia; a chuva aumenta; 3 cavalos gateados e uma égua branca, sente vontade de montar e o cavalo percebe; 1ª noite, mural repleto de desenhos rupestres, padrões triangulares, círculos, losangos; dias rumo ao sul; à esquerda o mar e os penhascos, à direita a civilização. Passa dias sem ver uma sombra. Acha duas pontas de flecha, começa a assustar as pessoas, dá uma ponta ao engenheiro que deu carona; voltando, a noite o pega de surpresa, a cachorra morde a pata, o sono pela 1ª vez não vem. Canta. Está findando o meu tempo, a tarde encerra mais cedo, meu mundo ficou pequeno e eu sou menor do que penso,. Quanto mais alto canta mais seu corpo se aquece. Nunca mais ouviu canções tão bonitas quanto aquelas que seus pais ouviam. uma melodia em particular jamais foi embora, só uma, aquela que Viviane dizia ser sua preferida e que chamava de o meu noturno do Chopin. Essa música sou eu, ela dizia. escala o morro da pedra branca. sentados no local exato de um dos maiores portais energéticos da América do Sul. Vai para a encantada. a trilha desaparece e ele não vê mais ninguém por dias. Na segunda manhã perdido nesses morros ele desperta com a claridade quente do sol. Lagartos com caudas enormes esquentam o sangue estirados nas pedras mornas, olhando para o alto como mártires. Banho. Metade do céu está azul. A metade encoberta do céu começa a avançar sobre a metade azul. Noite, se depara com um vale de vegetação rasteira coberto por uma névoa luminosa de vaga-lumes. no meio daquela noite acorda com a cachorra uivando. Ela se afastou um pouco e ele não consegue vê-la. É a primeira vez que escuta isso e sente uma culpa estranha, como se estivesse bisbilhotando um momento íntimo do animal. Os uivos são longos e espaçados e ficam sem resposta. ... seguido um pouco atrás pela cachorra, evitando as estradas e plantações, O som da sua própria voz ecoa dentro da sua cabeça e ele percebe que não pronunciava uma palavra desde a conversa com a iogue na Encantada. cenas da enchente. Um rio de corredeiras achocolatadas corta uma rodovia ao meio. Homens remam barcos em meio a um arquipélago de telhados. dá as costas aos rapazes e vai embora enquanto fala. vai procurando um caminho que possa ser vencido pela cachorra mas fica cada vez mais difícil. O caminho das pedras, o caminho das pedras, murmura consigo mesmo. urante muito tempo tudo que vê é o topo da próxima pedra. Foi parar no meio de um costão pedregoso entre o nada e o lugar nenhum e já avançou demais para voltar atrás. enta subir pela encosta mas a barreira de arbustos é densa e espinhenta demais. cavidade se prolonga por uma passagem estreita formando uma pequena gruta seca. senta à beira do nicho triangular como se fosse um ídolo de pedra colocado no mais improvável e absurdo dos lugares justamente para não ser visto. O mar em frente é uma grande massa de escuridão mais escura que a noite, um monstro ao mesmo tempo invisível e manifesto. De súbito, sem que pudesse premeditar, enxerga com nitidez tremenda algo que desejava enxergar faz tempo e começa a chorar de felicidade. Gostaria que Jasmim estivesse ali agora, e Viviane, e seu pai e sua mãe, e mesmo Dante, mesmo as pessoas que tem vontade de odiar mas não consegue, gostaria que todas estivessem ali. trilha atravessa o morro pelo meio de um matagal fechado. O capim e os arbustos cresceram por cima do caminho e ele avança mergulhado quase até o peito na folhagem verde-escura, o barro molenga que tomou o lugar da solidez escorregadia das pedras. sendo empurrado de leve pelo vento que sopra do mar. Passa pelo esqueleto de um boto ou de um filhote de baleia-franca, com um crânio crocodiliano descoberto. Não consegue mais imaginar como era um dia sem chuva. chega à barra de um rio que flui lento e possante como lava. Na outra margem há um vilarejo e alguns pescadores estão fazendo a travessia arriscada em jangadas estreitas. Um dos pescadores, vestindo uma capa de lona impermeável, concorda em transportá-lo para o outro lado. Vacas, trovoada. Casal com bebê. Onde a gente tá? Em que sentido? É difícil conversar com vocês. Vocês falam muito devagar. filtro de sonhos. a fumaça da maconha preenche o espaço sob a tenda. tem que cuidar pra não errar a trilha. Tem várias que entram pelo morro e vão dar em lugar nenhum ou na caverna do velho. como se chega? Fica no meio do mato entre dois caminhos. Um deles passa no fundo do vale e o outro na parte de cima do morro em frente. atravessar o córrego que passa no fundo do vale e desviar para a esquerda em vez de prosseguir pela trilha principal. Jarbas-Pato lhe entrega uma lanterna de duas pilhas. s chuvas transformaram o córrego num pequeno rio e ele demora para encontrar um ponto de travessia. Cruza os dois ou três metros de uma margem a outra enfrentando a correnteza. o portão de fios de arame enferrujados. O caminho começa a subir a encosta serpenteando ao redor de rochedos que a uma certa altura formam uma parede contínua à sua esquerda. AQUÁRIO. No interior da caixa de vidro há uma porção de lascas de pedra, de barro ou de cerâmica dispostas como na vitrine de um museu. A curvatura suave de vários fragmentos sugere que sejam pedaços de estátuas, vasos ou pratos antigos. Algumas apresentam inscrições em caracteres desconhecidos ou padrões de triângulos e losangos. Num dos cantos do aquário estão reunidas meia dúzia de pontas de flecha. Caverna. Ao fundo está deitado um grande casco de tartaruga marinha. É um homem alto que encolheu. cadeira de balanço mãos nos braços, uma moça mulata de no máximo vinte anos sentada num banco bem ao lado, um pouco atrás da cadeira de balanço. Ela veste uma espécie de robe de tricô em tom arenoso e uma tiara de brilhantes que só pode ser uma imitação de plástico. uma esfera perfeita de granito do tamanho aproximado de uma bola de futebol de salão. terceira pessoa. uma menina de uns treze anos, de pele branca, cabelos negros emaranhados e aspecto feral. uma outra menina, loira e maior que a primeira, enrodilhada. Já duvidei da minha imagem no espelho, o velho diz, mas é a primeira vez que a minha imagem duvida dela mesma. Vê a foto. sua fisionomia vai se transfigurando aos poucos em algo mais perplexo e ameaçador. Tu não devia tá aqui. Luta e fuga. perdido no escuro. Enxerga melhor de olhos fechados, queda no mar. O irmão o ensinou a furar ondas. O fundo é silêncio. A água é protetora e retarda o tempo. Mas a superfície é o inferno.. É um pedaço de carne insignificante, à deriva. manter a concentração no nado até que mente e corpo sejam uma coisa só, o que inaugura condições para que ele e a água se tornem uma coisa só e não haja mais necessidade de se concentrar. Todos os momentos anteriores pareciam tê-lo preparado para isso. É a prova para a qual treinou a vida toda. 15 de outubro. Em mais de sessenta anos de vida eu nunca vi tanta chuva. Seu avô deve ter conhecido a mesma tristeza, só que mil vezes maior. A usina de sua força sobre-humana.

Nessa água gelada que fez a cadela voltar a andar, a cadela velha e desenganada. Era isso que seu pai temia, quem sabe. Não morrer fácil. Não morrer nunca.

Todo mundo que vem pra cá enfrenta uma loucurinha ou outra no primeiro inverno, nadador. É um rito de passagem.

A mulher começa a relatar outro sonho que teve com ele, mas ele a interrompe e diz que já sabe. Dessa vez a mulher de cabelos pretos sai do lago pantanoso acompanhada de uma criança.

Ele não pertence a esse lugar. Há apenas dois lugares possíveis para uma pessoa. A família é um deles. O outro é o mundo inteiro. Às vezes não é fácil saber em qual dos dois estamos.

trinta de outubro de dois mil e oito

ma história que começou a imaginar sem motivo conhecido lá pelos doze ou treze anos e continuou imaginando até o fim da adolescência. Era apenas um esboço ou devaneio que nunca chegava a uma conclusão digna do nome mas que começava sempre da mesma maneira. Ele estava sentado na areia da praia observando o mar e avistava uma pessoa pedindo ajuda lá no fundo. Depois de ultrapassar a rebentação ele descobria que a pessoa que se afogava era uma menina da sua idade, uma menina que foi crescendo com ele à medida que imaginava a cena ano após ano. .. Meses se passavam, às vezes anos. .. ele reencontrava a menina e ela estava em péssimo estado. Tinha sofrido na mão de homens ou se tornado uma viciada em alguma coisa. Nada mais fácil de amar que uma menina sem nome que é pura ideia, que é entregue pelo destino, vulnerável e lúbrica, pronta para ser resgatada, fugir e reaparecer. Mas essa mulher o odiava. Às vezes ela o acusava de tê-la salvado à força. Por que tu me tirou da água? Não era pra me tirar. Com mais frequência ela o acusava de tê-la abandonado. Por que essa história? Por que uma história? De onde tinha surgido e onde tinha ficado guardada todo esse tempo?

Mas é assim. Ninguém escolhe nada e mesmo assim a responsabilidade é nossa. É assim. Não sei explicar por quê. Livre-arbítrio e determinismo. Não acho que é simples assim. Não tem nada de simples nisso. Quero dizer que as duas alternativas me parecem erradas. Ou as duas tão certas ao mesmo tempo. Duas respostas certas pra pergunta errada. Sei que não existe escolha e que mesmo assim a gente precisa viver como se existisse. Só isso.

o triatlo e os 4 elementos, o fogo do espírito que ele acha na comunhão mente-corpo e eu-mundo

mais budista que os budistas, não tem espírito competitivo, a corrida não tem um objetivo, correr é o objetivo, não é sobre chegar, é sobre ir

teimosia, dele e das baleias, persistir em ir ao local do massacre

porque ele necessita buscar o avô? porque o avô o repele?

pai, avô, irmão, amigo

cecina, santina, mãe, viv, dália, jasmim, rosa

talvez o sobrinho esteja reiniciando o ciclo

porque ele não tem nome?

gaudério: Gaúcho de nascença, criado em galpão, o mais guapo da estância. Vem do castelhano, termo para homem sem rei e nem lei, pejorativo para ladrão de gado, andarilho, vagabundo. Pessoa que não tem ocupação séria e vive à custa dos outros, andando de casa em casa. Parasita, amigo de viver à custa alheia. Denominação dada ao antigo gaúcho, em sentido depreciativo. Vernáculo com origens no latim, gaudium, significando um sujeito alegre. É usado comumente para designar pessoas que gostam de divertir-se, irem a festas gauchescas e encararem suas vidas com tranquilidade e otimismo.

sabe mais de witt que a mulher; sabe que do que não podemos falar não devemos falar; vive nos puros fatos

o livro é uma pergunta, está em busca da pergunta certa

vários duelos, contra a cidade, contra o avô, contra a mulher

quem é o narrador?

vive na fronteira entre dois mundos, como as baleias, na divisa entre terra e água

porque um vampiro

a história é um barquinho que vai correndo, é fácil esquecer da água que o sustenta, e esta é a linguagem

até a eleição fica inconclusa

uma cidade que avança e recua como as ondas, que murcha e floresce com as estações

um ciclo, um ano

figura crística: morre para salvar, peregrina no deserto, ensina (discípulos), tem um ancestral mágico, deixa uma lenda

olhar o caso de mito e ídolo

ritmo da narrativa acompanha ritmo dos acontecimentos, narrativa arrastada no tempo do tédio, vertiginosa no calor da luta

cheio de pistas falsas, como a vida
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
INI | ROL | IGC | DSÍ | FDL | NAR | RAO | IRE | GLO | MIT | MET | PHI | PSI | ART | HIS | ???